Averiguação Preventiva: prudência ou figura incoerente no Processo Penal?
A expressão “averiguação preventiva” tem marcado a atualidade mediática, surgindo com frequência em notícias sobre investigações preliminares que envolvem figuras públicas, como Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. Embora este termo esteja a ganhar visibilidade no discurso jornalístico e político, continua a levantar dúvidas quanto ao seu verdadeiro alcance e natureza jurídica. Afinal, o que é a averiguação preventiva? Qual o seu enquadramento legal e que implicações pode ter no âmbito do processo penal?
Averiguação Preventiva: o que é?
A averiguação preventiva corresponde a uma fase que antecede o inquérito criminal propriamente dito. Com este mecanismo, o Ministério Público, ao receber uma denúncia, pode realizar diligências iniciais com o objetivo de verificar se essa denúncia — mesmo que anónima ou imprecisa — justifica a abertura formal de um inquérito.
Estas diligências devem respeitar os direitos fundamentais. Por isso, não podem envolver ações invasivas, como buscas domiciliárias ou escutas telefónicas. Limitam-se a pedidos de informação ou recolha de elementos que não afetem garantias essenciais.
A figura encontra alguma referência na Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, relacionada com o combate à criminalidade económico-financeira. Contudo, continua ausente do Código de Processo Penal (CPP), o que gera controvérsia quanto à sua legitimidade e coerência com o modelo legal estabelecido.
O enquadramento legal e a tensão com o CPP
De acordo com o artigo 262.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o inquérito serve precisamente para averiguar se ocorreu um crime, identificar os agentes e apurar responsabilidades. Esta previsão já permite, por si só, a realização de diligências diversas, incluindo atos mais intrusivos, desde que devidamente autorizados e controlados por um juiz.
Assim, a criação de uma etapa anterior e informal, como a averiguação preventiva, levanta uma questão central: será esta fase realmente necessária dentro do sistema processual penal?
Riscos Jurídicos e Fragilidade Estrutural
Durante uma averiguação preventiva:
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O cidadão visado não adquire o estatuto de arguido;
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Não existem prazos processuais a cumprir;
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Não há obrigatoriedade de informar o visado;
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Falta o controlo judicial direto sobre os atos praticados.
Consequentemente, o Ministério Público pode recolher elementos sem que a pessoa tenha conhecimento ou possibilidade de reação. Mesmo que as diligências sejam limitadas, o desequilíbrio processual é evidente.
Eventuais vantagens práticas da Averiguação Preventiva
Apesar dos riscos, é importante reconhecer algumas vantagens práticas desta figura:
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Evita a abertura de inquéritos em casos infundados;
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Contribui para a gestão eficiente dos recursos judiciais;
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Reduz o impacto reputacional sobre pessoas visadas;
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Permite investigações discretas em contextos delicados.
Contudo, estas vantagens não compensam os riscos associados à falta de consagração legal clara e à ausência de garantias processuais básicas. O uso excessivo deste mecanismo pode comprometer princípios fundamentais do Estado de Direito.
A Averiguação Preventiva como figura desnecessária no Processo Penal
A Averiguação Preventiva, embora mencionada em legislação avulsa — como a Lei n.º 36/94, de 29 de setembro — não está consagrada de forma sistemática no Código de Processo Penal (CPP). É precisamente essa ausência que revela a sua fragilidade e, em certa medida, a sua incoerência estrutural face ao modelo de investigação penal que o CPP define.
Segundo o artigo 262.º, n.º 1 do CPP, o inquérito destina-se a averiguar a existência de um crime, identificar os seus autores e apurar a responsabilidade penal. Esta definição é suficientemente ampla para abranger qualquer denúncia. Mesmo que vaga! Este âmbito do inquérito previsto no CPP permite ao Ministério Público desenvolver diligências diversas — intrusivas ou não — sempre com as devidas salvaguardas legais e, quando necessário, com controlo judicial.
A existência de uma fase prévia, informal, como a averiguação preventiva, onde se realizam diligências fora do âmbito formal do inquérito, gera um mecanismo paralelo que contorna o sistema legal previsto. Esta prática escapa às garantias processuais que protegem os direitos dos visados, colocando em causa a coerência normativa do processo penal.
Uma pré-investigação criminal sem espaço jurídico definido
Além do que se disse acima, a averiguação preventiva permite que o Ministério Público avalie indícios criminais num espaço jurídico indefinido. Nesta fase, como referi, não há controlo judicial eficaz, nem estatuto de arguido, nem prazos processuais definidos. Podem ser feitas diligências, ainda que não intrusivas, sem que o cidadão visado saiba que está a ser averiguado. Fica assim impossibilitado de reagir ou de exercer o contraditório.
Em suma, o CPP já prevê que o inquérito tem como função apurar a existência de crime e identificar os responsáveis. Criar uma fase anterior, informal, fora da lógica do processo penal, representa uma duplicação desnecessária. Uma verdadeira forma de ir murando “a Justiça dos Ricos” e a “a Justiça dos Pobres”. Pior ainda: enfraquece as garantias que devem acompanhar qualquer atuação persecutória do Estado.
A Averiguação Preventiva, tal como tem sido utilizada, não só revela um desvio do modelo processual penal, como compromete os princípios de legalidade e de proteção dos direitos fundamentais. Num Estado de Direito, todas as atuações investigatórias devem ocorrer dentro do quadro normativo previsto — com transparência, responsabilidade e pleno respeito pelas garantias processuais.